2010-06-17

A Língua Portuguesa - A Língua Portuguesa em África: perspectivas presentes e futuras

Este breve texto é uma proposta de reflexão acerca de algumas das questões que, em meu entender, merecem destaque na situação actual do desenvolvi mento e ensino do Português em África. No sentido de concretizar esse propósito, focarei três tópicos fundamentais: 


1. Evidência e consequências dos fenómenos de expansão lin guística; 
2. Regionalização e Internacionalização; 
3. Revisão de Modelos Didácticos e Pedagógicos. 


1. Não é estranho à maioria das pessoas o facto de, nomea damente em Angola e Mo çam bique, a língua portuguesa ter conhecido nas últimas décadas uma expansão territo rial muito significativa. As razões para este fenómeno são claras, depen dendo tanto de um expansionismo marcado pela dester ri to rialização em tempo de guerra, como de uma pressão exercida pelos meios dominantes de comunicação social e pelo exercício continuado de procedimentos administrativos e oficiais dos quais a LP é meio veicular. 
Ouvimos há dias a Professora Perpétua Gonçalves, da Universi da de Eduardo Mondlane, na FCG, constatar o facto de esta realidade vir igualmente acom panhada de uma progressão nas dinâmicas de alfabetização. A coincidência destes fenómenos autoriza-nos a concluir que vivemos uma situação em que a importância desta língua representa na actualidade, de forma empírica e obser vável, o desiderato do período pós-indepen dên cia, a saber, a natureza transversal de LP e a sua cons­tituição como platafor ma comu ni cativa extensiva. 
Em conversa com um responsável universitário em Angola, constatámos o interesse em eleger como área de intervenção prioritária a LP. Existe hoje uma consciência profunda da necessidade de um agenciamento rápido e eficaz de vontades neste terreno. Como nos era referido, não teremos outra oportunidade, “é agora ou nunca”. 
De facto, temos que concordar que em Angola a rápida expansão de LP não tem vindo acompanhada de uma sustentada intervenção no terreno das competências pedagó gicas e das políticas de desenvolvimento para este sector. Independentemente da grande diversidade de razões que podem estar na base deste fenómeno importa proceder rapidamente no sentido de : 

· elaborar uma profunda e séria análise da situação nacional em termos de alfabetização e iliteracia; 
· proceder a uma renovada análise da situação das línguas africanas bantu e de outras línguas que possam ter presença significativa em território nacional; 
· organizar e manter operativas actividades permanentes de formação contínua (é conhecido o facto de os professores não deterem, na sua esmagadora maioria, instrumentos eficazes de trabalho e de auto-avaliação e reflexão sobre as práticas respectivas); 
· organizar e manter, no sentido de uma planificação edu cativa autosustentada e autónoma, formação pós-gra duada intensi va; 
· iniciar a planificação de um projecto de dimensão nacional tendente à construção e manutenção de acti vi dades de elearning. 

Moçambique e Cabo Verde têm dado passos consequentes em alguns destes domínios, passos esses que podem, juntamente com outros exemplos de práticas de sucesso em África (veja-se a África do Sul, por exemplo), constituir fontes de motivação e inspiração para as exigências que se colocam a Angola. Reside, em nosso entender, numa consequente estratégia de identi ficação de transver sali dades em território africano a resposta a uma eficaz construção de modelos pedagógicos e educativos com futuro. O segredo estará em serem dados passos curtos mas seguros do ponto de vista nomeadamente de uma validação científica exigente e ri go rosa. 


2. O impacto regional que países como Angola, Cabo Verde e Moçambique podem ter no domínio da expansão da língua é outra questão que não pode ser ignorada. O seu peso e autoridade po lí ticos são garante de equilíbrios que justificam o seu valor nas regiões geo-estratégias em que se incluem. O facto de esta localização, com valor sociopolítico mas também cultural, se fazer em círculos de dupla e tripla dimensão, é um facto acrescido de validação da sua importância. Assim, Cabo Verde está presente nos organismos de representação africana, mas também partilha interesses com os de língua francesa; Moçambique está inelutavelmente próximo dos países da Commonwealth; Angola constitui-se como país de peso decisivo no SADC e em outros organismos africanos. Todos eles assu mem responsabilidades na CPLP. 
O valor das multiplicidades aqui implicadas é óbvio e tem que ser visto, de uma vez por todas, como mais-valia com interesse político e cultural para todos os países de língua portuguesa. 
Ao invés de nos escudarmos em estratégias e discursos de dimensão defensiva temos todos que avaliar as nossas compe tências em nome de uma eficácia progressiva e aplicá-las de forma descomprometida e autónoma mas regulada sempre que possível por princípios de procedimento associativo. 
Acreditamos que só desta forma encontraremos os modelos de desenvolvimento que possam ser fundadores de uma resposta aos diferentes problemas que se vão colocando em cada con texto. 
Independentemente de as diferentes realidades nacionais terem impacto de valor supra-nacional e continental, importa tam bém deixar uma palavra para a evidência da necessidade de constituição apropriada de modelos de desenvolvimento regio nal. Um dos grandes riscos do mundo contemporâneo, em inúmeros contextos, e aos quais não escapam, naturalmente, os países africanos, reside na macrocefalia urbana e na imposição de modelos de desenvolvimento basea dos na secundarização das regiões periféricas. 
Não podemos ter dúvidas acerca da necessidade imperativa, por razões de sobrevivência e de interesse nacional, de encontrar soluções para estas realidades. 
A preocupação com estes princípios não é estranha aos forma dores e aos que se dedicam a planificar estratégias de formação de formadores em ensino de línguas, muito embora raramente se tenham visto criadas as condições necessárias à sua eficaz implementação. 


3. Todos os que nos dedicamos à análise e concretização de modelos pedagógicos, em particular no ensino de línguas, te mos a consciência de múltiplos factores que frequentemente inibem uma ajustada intervenção educativa no domínio da língua portuguesa. Citamos apenas alguns que, em nosso entender, correspondem a essa problemática: 

· a existência de um quadro “mitológico” responsável por inúmeros lugares-comuns e estereótipos acerca do modo como se fazem as aprendizagens; basta pensarmos nas velhas e gastas ideias de que o texto literário é óptima fonte de aprendizagem linguística, de que aprendemos a falar apenas ouvindo, de que aprendemos a escrever apenas lendo, de que aprendemos a ler apenas tendo como modelo ilocutório o professor, de que as diferentes formas de pronunciar a língua se constituem como défice de competência linguística; 
· a existência generalizada de quadros de aprendizagem baseados em modelos totalmente ultrapassados e resul tantes de uma ordem de base funcionalista e em que a planificação por objectivos continua a ocupar, inadequa da mente em nos so entender, um lugar de grande des taque; 
· associa-se este procedimento à ideia recorrente de que o que está em causa é o “ensino-aprendizagem” e não um pro cesso que deveria ser, ao invés, de “aprendizagem-en si no”. 

Tomando esta última questão como prioritária, devemos lem brar que a investigação que nos últimos dez anos, aproxima da mente, tem reunido contributos da Psicologia (a saber, dos estu dos sobre Cognição) e da Didáctica, aconselha a que reno ve mos o ensino de línguas, e muito particularmente no que às línguas segundas diz respeito, a partir dos seus princípios. 
Trata-se de valorizar por exemplo questões como: 

· considerar que a aquisição e uso de uma língua pres su põem competências cognitivas complexas que podem ser descritas no contexto da teoria cognitiva; 
· assumir como imperativa a necessidade de tratamento integrado de Estratégias de Aprendizagem baseado na teoria e investigação correspondentes. 
· definir Estratégias de Aprendizagem; 
· diferenciar Estratégias Metacognitivas, Cognitivas e So ciais/Afectivas; 
· definir um modelo metodológico baseado em Estraté gias de Aprendizagem para desenvolvimento de conteú dos e de actividades linguísticas no ensino de L2; 
· considerar como fundamentais os pensamentos e com por ta mentos que seguimos para compreender, aprender e reter informação nova; 
· rever a teoria, colocando questões fundamentais, a saber: 
como são aprendidas as L2 (ou LS) e que papel têm as estratégias correspondentes no processo de Aquisição de Língua Segunda; que automatismos resultam dessa aquisição; o que são Estratégias de Aprendizagem, como a informação correspondente é armazenada e como pode resultar em influência positiva nas aprendizagens. 

Procurei, com estas breves palavras, deixar alguns tópicos para re fle xão e discussão, que constituem o testemunho prioritário das minhas preocupações actuais acerca do ensino de LP em África.